Infantil || News da Lari #13
Sobre a necessidade de abraçar (mais ou menos) a sua criança interior
Eu tinha uns 16 anos quando alguém me chamou de imatura pela primeira vez. Foi uma crítica inédita — para toda a minha família eu sempre fui a velha em corpo de adolescente, muito sábia e muito madura para a minha idade. Lembro até hoje quem foi, uma amiga muito querida que segue próxima desde aquela época, e que falou na minha cara, como se não fosse nada demais, que eu era imatura demais na forma exagerada como eu lido com os meus sentimentos.
Tomei muito para mim naquela época, e descartei a crítica anos depois, dizendo a mim mesma que ela, também aos 16, não tinha moral alguma para falar, ou que eu, com a lua em câncer, sempre pareceria infantil pra alguém com capricórnio até o talo do mapa astral. Mas, entra ano e sai ano, eu percebo que há mais do que um fundo de verdade no que ela me disse: sou, sim, um tanto infantil no que diz respeito aos meus sentimentos. Mas isso não é tão fácil assim de corrigir.
Foi no meu primeiro ano de terapia, lá em 2017, que ouvi pela primeira vez o termo “criança interior”. Durante o primeiro ano, minha psicóloga me fez reviver uma série de momentos e traumas marcantes pra quem eu era naquele momento, e, sessão após sessão, falava que eu precisava sentar e abraçar a menina dentro de mim que nunca havia se perdoado pelos próprios fracassos. Sete anos depois, não tenho mais a mesma terapeuta ou linha de psicologia, mas a criança interior está mais viva do que nunca. Em 2024, eu a ouvi gritando como há anos não ouvia.
Esse ano, me vi dando chiliques e fazendo pirraça. Me perdi em uma versão não infantilizada, mas criancizada de mim mesma: tive meus momentos de agir como criança mesmo sem pensar como uma. O problema, percebi, tem menos a ver com a realidade dos fatos ou mesmo a validade dos meus sentimentos, mas com uma total ausência de ferramentas para lidar com dores e desconfortos que vão emergindo, conforme me pego enxergando, talvez pela primeira vez, o tamanho do silenciamento a que me submeti e fui submetida.
Quando eu era criança, aprendi a ficar quieta e a ser sozinha. Eu não fazia as minhas vontades a menos que fosse eu por mim mesma; na companhia dos outros, eu era sempre do outro, sujeita aos seus quereres, suas necessidades e seus humores. A primeira vez que chorei no colo de alguém foi com mais de vinte anos. No consultório da psicóloga, demorei quase um ano inteiro para conseguir falar de mim e não falar de mim segundo os outros. Não fui ensinada a ser ouvida. Me calei tanto que, em 30 e tantos anos, às vezes sinto que desconheço a minha própria voz.
Então às vezes, o chilique é só o que eu sei fazer, porque não me escutei vezes o bastante para saber acolher meus próprios sentimentos. Às vezes, só consigo gritar porque foram tantos anos calada que sinto que não tem nada que expresse mais o que preciso dizer do que um grito. Às vezes, só preciso botar a dor para fora, chorar tudo que guardo dentro de mim como uma forma de protesto por todas as noites em claro ruminando coisas que eu me negava a expurgar.
É difícil perdoar essa minha versão criancizada. Olho para a adulta que sou, para as coisas que aprendi, e me sinto incapacitada perante a minha própria imaturidade. Mas aí me lembro que, diferente de andar e falar, eu não aprendi a sentir na primeira infância. Estou só agora deixando as rodinhas para trás e começando a pedalar sozinha. Leva tempo. Vou cair muito. Mas sei que, se não seguir gritando ao bater das asas, nunca vou ser capaz de voar.
Com amor,
Larissa
Um entendimento que eu tive na minha análise (aliás, preciso voltar a fazer) foi com base numa expressão que o meu psicólogo usava muito: "se posicionar". No meu caso, eu também aprendi desde cedo a não me posicionar, ou seja, me anular para dar espaço ao outro, e para evitar conflitos. Até hoje eu faço muito isso e preciso me esforçar para lembrar de que é importante fazer valer os meus desejos e não os dos outros. Eu sempre lembro daquela típica frase: "você quer ser feliz ou quer ter razão?". Acontece que quase sempre a gente precisa "ter razão" pra ser feliz.
Vamos nessa, Lari. Acho muito doido como a gente tem coisas tão parecidas, mas igualmente estamos prestando mais atenção em nós mesmas, e cuidando disso. Não é fácil, mas o caminho acompanhada dói menos. <3