Há dois anos, eu deixava para trás um relacionamento que consumiu minha vida.
Consumiu mesmo, do tipo que não deixa nada sobrando. Me lembro ainda do farrapo que eu era quando peguei minhas coisas e deixei essa casa, onde agora moro. Dois anos atrás, eu tinha certeza absoluta do que estava fazendo. Sabia que precisava partir. Sabia que não aguentaria ficar. Sabia que não havia mais nada no meu peito pra dar. Sabia que eu tinha sido esgotada, esticada, repartida, esfarelada, drenada até a última gota de lágrima que entreguei naquela tarde .
Há um ano, eu chorei, revivendo o que passou.
A vida já era outra. Que volta o meu mundo deu. Retornei à casa em que achei que nunca mais ia pisar, reconstruí os meus pedaços, retomei partes de mim que eu havia abandonado, deixei partir quem havia me partido ao meio. Mesmo assim, tinha horas em que eu me pegava pensando. Será que fiz mesmo a coisa certa? O que será que aconteceria se eu tivesse ficado?
Hoje eu li um texto em que a autora dizia que se via, às vezes, com saudades daquele que a destruiu por dentro. Que sentia falta das palavras, mesmo duras, e das conversas, mesmo quando brigas. Sentia saudade de uma versão de si que não era saudável, de uma relação que a enfraquecia. Hoje, entendo melhor do que nunca o que isso quer dizer.
Quando comecei a tratar meu transtorno alimentar, uma das crises mais frequentes era o quanto eu sentia — e sinto — falta dos meus comportamentos autodestrutivos. Sinto falta do controle de poder punir meu corpo, da sensação de poder de passar horas de estômago vazio, da cabeça leve que só a loucura consegue proporcionar. Eu não era feliz no auge da minha doença, mas, para mim, aquele estado de dor constante era associado à felicidade. Eu me sentia plena afogada em desespero.
Eu também me sentia plena com ela. Também a amava, mesmo passando cada momento do meu dia em estado de alerta. Também me sentia inebriada com o amor que ela me dava, mesmo que esse amor me fosse dado envolto em tortura e tristeza. Eu acreditava que amar era isso, o sofrer eterno. Eu acreditava que só era bom porque doía em mim.
Hoje, lembrei por acaso da data. Sou do tipo que revive o calendário, inevitavelmente me lembrando de coisas que preferia esquecer. Tem traumas desse tempo que não vou superar tão cedo, mas me bateu uma agonia boa em perceber que as memórias que tanto me torturaram com suas hipóteses cabeludas já não voltaram hoje com o mesmo sabor de antes. Quando o nó veio na garganta, não foi com o e se de quem duvida do presente; foi com o por quê? de quem lamenta seu passado.
Os ciclos, eu acho, se fecham assim, meio sem aviso. Do mesmo jeito em que não houve um momento em que eu notasse que me curei do meu transtorno, também não há um ponto em que me cure do meu trauma, ou do meu amor por ela. Amores não se quebram, a mente não se cura, traumas não passam. O que restam são os círculos da vida, o ouroboros do tempo que não se deixa parar de correr.
Devora-te a vida ou deixe a vida devorar você.
Com amor,
Larissa
O que faz a gente superar - e que não acho bem que seja a palavra superação - é a distância DE tempo. Quanto mais longe, menos vivo fica na memória e mais fácil fica não doer. Mas a lembrança é igual ao mar. Pode estar calmo agora, mas basta uma onda, um rompante, para chacoalhar tudo.
(Mas ploft swift: o tempo pode ser bom. Olha só quanto tempo se passou do Carnaval de 2016 até ano passado 😅😅)